Por que calar as Rádios Livres?
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9 de Abril de 2009
O recente fechamento de uma expressiva rádio livre do país, a Muda, reacendeu o debate em torno do papel do movimento de rádios livres e das rádios comunitárias diante do monopólio das grandes corporações midiáticas.
“O rádio poderia ser um fantástico sistema de canais se conseguisse não apenas emitir, mas receber, ou seja, se não permitisse ao ouvinte apenas ouvir, mas falar, não o isolando, mas integrando-o… Irrealizáveis nessa organização social, porém realizáveis em outra, essas sugestões servem à propagação e formação dessa outra organização.” (Bertold Brecht, Teoria do Rádio, 1932).
O movimento de rádios livres ainda acredita na capacidade do rádio alcançar a potencialidade de um aparelho de comunicação, apesar de sua natureza difusora. A apropriação da técnica por aqueles que não detêm o conhecimento específico nos leva a perguntar por que apenas poucas empresas podem monopolizar essa via e se existe real necessidade de profissionalização dos envolvidos na prática. As formas de organização e interações entre aqueles que constroem rádios livres podem ser revolucionárias, sobretudo por proporem uma lógica oposta àquela institucionalizada pela mídia hegemônica. Torna-se, portanto, urgente a sua apropriação pelas camadas mais populares.
Os que se entusiasmam em soltar suas vozes pelas ondas do ar, antes de quererem ser comunicadores, querem se comunicar; não só passarem suas idéias, mas trocá-las, debatê-las com o receptor que, na verdade, é um outro transmissor.
Nessa lógica não se produz notícias, ao contrário, se constroem informações compartilhadas através da prática diária de resistência às verdades que nos são impostas pelos meios de comunicação de massa. Portanto, essas rádios se organizam pautando-se na horizontalidade, pois não se têm diretores ou editores com um pronto discurso, com um formato pré-estabelecido de programa, repleto de regras sobre o que dizer e o que não dizer. Também as empresas e suas propagandas não ditam normas de divulgação, já que nas rádios livres as portas estão sempre fechadas para a publicidade. Os livres radialistas não dominam as técnicas dos grandes locutores, qualquer pessoa pode fazer um programa sem se preocupar com o tom de voz perfeito ou com o domínio do código culto da língua. Aliás, a oralidade encontra o espaço privilegiado nas ondas livres, pois as tradições são questionadas o tempo todo por aqueles que buscam novas formas de se comunicar.
Nada substitui o olho no olho, o contato presencial, por isso, nas reuniões autogestionadas pelos membros, o incentivo à participação é permanente. Os radioamadores crêem que apenas manter um programa na rádio, colocar músicas e idéias no ar, é insuficiente se não há interesse em construir coletivamente o espaço, discutir não só os problemas técnicos, de manutenção ou de grana [dinheiro], mas também os debates contínuos sobre a própria prática. Pode até parecer estranho para aqueles que, ou acham que precisam pagar para se ter um programa nesse meio, ou que o divertido está só no momento da transmissão. Na verdade, os encontros coletivos é que guardam a possibilidade de serem gestadas novas formas de relações dentro e fora do movimento.
Porém, a prática das rádios livres extrapola a produção de programas e discussões, intentando lutar contra a homogeneização das informações assegurada pelo monopólio das grandes mídias e, para isso, a proliferação de muitas outras rádios, que questionem sempre a manipulação por meio desses órgãos, é a sua grande arma.
De qualquer forma, muitas são as dificuldades enfrentadas pelos radioativistas: a precariedade técnica de seus instrumentos, o custo de manutenção de um estúdio e a falta de apoio e financiamento por causa da resistência à lógica dos patrocinadores.
No Brasil, as ferramentas com que contam são: um site [www.radiolivre.org] (atualmente em manutenção), que busca explicar, de maneira didática, como construir uma rádio, além de ser um canal de comunicação entre as iniciativas desse tipo espalhadas pelo país; e as oficinas de FM e de streaming (transmissão pela internet), em que diversas rádios compartilham conhecimentos, principalmente técnicos, para a apropriação efetiva desse aparato em favor da sociedade. Alguns movimentos sociais – como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), as fábricas ocupadas, as associações de moradores, os zapatistas (EZLN), a Assembléia dos povos de Oaxaca (APPO), etc. – já se deram conta do quanto o rádio pode ser um instrumento de integração e novas práticas de organização.
Livres ou Comunitárias?
Podemos vislumbrar uma diferença substancial entre as rádios livres e comunitárias. Os ativistas do movimento, recorrentemente, criticam as rádios comunitárias por estas abrirem suas portas a políticos sedentos por votos, à plataforma de seitas religiosas e/ou reproduzirem formas e conteúdos clichês da mídia corporativa. No entanto, todo o serviço de radiodifusão comunitária foi regulamentado pela Lei n. 9.612 [1], no ano de 1998. Essa legislação especial para as rádios comunitárias tratou de regrar inteiramente esse exercício, prevendo requisitos de funcionamento, a finalidade do serviço, o modo de autorização, as penalidades administrativas, etc.
Na prática, a forma que o Estado encontrou de recuperar e assimilar todas as iniciativas no campo da comunicação popular restringiu a cobertura da emissora a um raio igual ou inferior a 1 km. A potência máxima de seus transmissores é de 25 watts e sua antena não pode passar de 30 metros. Porém, não são só esses problemas que a lei instituiu [2], ainda há exigências de nomear diretores da entidade legal e sem fins lucrativos que prestarão o serviço de rádio na comunidade, além de patrocínios serem admitidos sob a forma de apoio cultural. Estes termos ferem radicalmente os princípios de organização interna das rádios livres. Isso tudo sem falar na morosidade com que o Estado expede concessões às rádios comunitárias para poderem funcionar. Estima-se que há cerca de 20 mil rádios comunitárias em operação e, desde que a lei foi regulamentada, o Ministério das Comunicações (MiniCom) autorizou o funcionamento de apenas 2.400 [3].
O ponto principal da contenda reside no fato de que os radioativistas não querem uma concessão nesses termos legais, sua demanda não é pontual, ao contrário, questionam leis absurdamente restritas às pequenas rádios e outras tantas obscuras negociadas diretamente com as grandes corporações, as quais quase a totalidade da população desconhece. O movimento de rádios livres é antes uma forma de manifestação anti-sistêmica.
De certa maneira, pode-se dizer que as rádios livres apóiam a construção de rádios comunitárias. Mas, na verdade, incentivam essas rádios a questionarem os caminhos que podem seguir. Pois se por um lado, uma rádio, em qualquer comunidade, pode constituir um grande passo à interação entre os moradores e seu cotidiano, por outro, pode tornar-se mais um instrumento unilateral e vertical de comunicação.
Toda essa história poderia ser mais um grande exemplo de iniciativas anticapitalistas, se não fosse tão séria a questão do monopólio da mídia no Brasil, em que a grande parte dos veículos de comunicação está concentrada nas mãos de apenas cinco corporações, constituindo, de fato, um grande oligopólio eletromagnético [4]. Nesse contexto, a tentativa de se comunicar livremente, propor novas formas de organização e desconstruir os mesmos discursos é caso de polícia.
A incansável perseguição às rádios livres.
A criminalização das rádios livres e comunitárias que funcionam sem concessão é cada vez mais intensificada por parte da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e da Polícia Federal. Só entre meados de 2008 e começo desse ano, mais de 400 rádios livres foram caladas. Em um caso exemplar de rádio livre que fora fechada, a Rádio Muda – 105,7 teve sua programação diária impedida pela ação policial e pelo órgão gerenciador de telecomunicações, no final de fevereiro desse ano, no bairro de Barão Geraldo, em Campinas – SP.
Já as rádios comunitárias, que ainda operam sem consentimento dos poderes público e privado, também sofrem com a repressão. Muitas delas, que funcionam em favelas, são destruídas constantemente. Uma ocorrência nesse sentido aconteceu na Cidade de Deus – Rio de Janeiro, onde cinco rádios “clandestinas” foram fechadas por cinqüenta policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), seguramente armados, apesar de não haver qualquer possibilidade de resistência por parte dos comunicadores populares.
De uma forma ou de outra, seja livre ou comunitária, o argumento para repreender essas iniciativas é sempre o mesmo: rádios piratas interferem na comunicação aeronáutica. No entanto, a improbabilidade dessa denúncia já foi rebatida inúmeras vezes, mas a memória da mídia escolhe muito bem quais informações lembrar. O apelo sensacionalista, representado pelo risco que poderiam correr diversas vidas humanas, aliado à dificuldade técnica inerente ao tema, torna a manchete inquestionável. (Veja abaixo caixa sobre o assunto).
Como é bem sabido, inclusive por parte do Ministério da Justiça, as rádios comunitárias, por transmitirem em baixa potência (25 watts), não interferem nesse tipo de comunicação, assim como admite a assessora técnica da Secretaria de Assuntos Legislativos dessa pasta, Maria Gabriela, em entrevista para o RadioTube, [http://www.radiotube.org.br/icox.php?mdl=nucleo_duro&op=comentar&id=1293&usuario=23&from=audio].
Diante do campo intocável constituído pelas grandes redes midiáticas, a luta do movimento de rádios livres não se restringe à democratização da mídia, pois sob a lei da concorrência, de que adianta um canal na televisão, ou uma estação na FM, se estas pequenas iniciativas são engolidas pelas grandes empresas de comunicação e, geralmente, sua subsistência alternativa é minada em pouquíssimo tempo? Nesse sentido, a igualdade reivindicada é apenas formal, pois conseguir um espaço no campo eletromagnético não significa dispor do mesmo aparato tecnológico que os magnatas da radiodifusão possuem para transmitir. Por isso, o desenvolvimento e a consolidação de uma comunicação livre só obterá êxito concreto se coincidir com o avanço das lutas populares, constituindo-se enquanto aparato para uma outra forma de organização social. Enquanto isso, seus ruídos não serão silenciados. Passa Palavra
Notas:
[1] A radiodifusão comunitária é regulamentada, no Brasil, pela Lei nº 9.612/98, Decreto nº 2.615/98 e Norma Complementar nº 2/98, alterada pela Portaria nº 83, de 19 de julho de 1999.
[2] Paulo Fernando Silveira, juiz federal aposentado, escreveu um livro interessante: Rádios Comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2001; sobre a legislação dessas rádios.
[3] Dados retirados do artigo de Claudia Regina Lahni: “Rádios comunitárias autênticas: entre a comunicação democrática e a perseguição”, publicado na Revista Adusp, nº 42, janeiro 2008.
[4] Donos da Mídia é um estudo muito interessante sobre as relações de poder nesse meio [www.donosdamidia.com.br], onde podem ser encontrados dados atualizados referentes à concentração na radiodifusão.
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