Rádio Várzea derruba avião? Diretoria FFLCH: diálogo ou repressão?
Foi tranquilo o segundo dia (19 de fevereiro de 2013) de participação da Rádio Várzea Livre na matrícula dos novos ingressantes na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH–USP). Aliás, tranquilo não é bem a palavra certa para descrever o que sentimos um dia depois de sermos atacados (coerção, vigilância, ameaças, corte de sinal da internet e tudo mais) pelos de cima.
Nossa transmissão pelo 107,1 FM aconteceu novamente. A transmissão pela internet (via rádio-web), infelizmente, não. Mesmo assim, estudantes e ingressantes puderam interagir e se comunicar livremente, gerando uma rica experiência de interlocução entre pessoas de diferentes lugares, vivências e idades. O diálogo se fez presente.
Por falar em diálogo…
Rumores indicam que a nova Diretoria da FFLCH–USP convocou uma reunião de emergência com os Representantes Discentes (RDs) sobre o tal “caso da rádio ilegal que estava funcionando na matrícula”. Parece existir, agora, uma tentativa de marcar uma reunião com a tal rádio e avisar que tudo está sendo feito “de maneira ilegal” (desrespeitando a “Constituição Federal”) – fato este que estaria prejudicando e causando transtornos, segundo alega a burocracia acadêmica, a imagem da FFLCH–USP.
Algumas perguntas, no entanto, ficam no ar: quem está pressionando a FFLCH–USP, dizendo que a Rádio Várzea Livre deve ser fechada? Será que a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), e seu mito da interferência, tem algo a ver com essa história? E a Reitoria da USP, também está pressionando o diretor da FFLCH–USP para que a rádio livre encerre suas atividades? Ou essa coerção é fruto, na verdade, de uma ação concertada das grandes corporações empresariais-midiáticas (os neobandeirantes) – interessadas que estão em defender a parte que lhes cabe nesse latifúndio do espectro eletromagnético? Rádio Livre derruba avião?
E por falar, ainda, em diálogo, vamos relembrar um história de não muito tempo…
No ano passado (2012). a Rádio Várzea Livre exigiu – depois de mais um ataque à nossa antena de transmissão (também sofremos sabotagens em 2011, 2004 e 2006) – esclarecimentos da Diretoria da FFLCH–USP sobre a repressão que recaía sobre nós por desenvolvermos um projeto de comunicação livre, sem governos e corporações (religiosas/empresariais/midiáticas), na USP. Naquela ocasião, elaboramos um texto que foi lido na Congregação da FFLCH. Depois desse momento de intervenção, novas promessas de diálogo – por parte da Diretoria da FFLCH–USP – surgiram… Aí o tempo foi passando… Passando… E cá estamos nós, novamente, sendo atacados/coagidos pela nova gestão da Diretoria da FFLCH–USP.
Mas nós não iremos nos calar! Nossa luta pela comunicação livre, dentro e fora dos muros da universidade, continua!
E, até para mostrar que não iremos ser enganados por aqueles que estão interessados em sabotar a nossa experiência de autogestão e comunicação alternativa – e chamam toda essa sabotagem de tentativa de diálogo –, eis o recado que demos ano passado na Congregação da FFLCH. Vale, e muito, a pena a sua leitura – mesmo que o texto seja um pouco extenso. Contextualiza, em grande parte, a nossa luta, a repressão que sofremos e porque acreditamos e colocamos em prática o nosso projeto de comunicação livre.
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Pronunciamento do Coletivo Rádio Várzea Livre do Rio Pinheiros na Congregação da FFLCH no dia 23 de agosto de 2012
Primeiramente, gostaríamos de lamentar e agradecer. O lamento, pelos parcos minutos que temos nesse fórum. O agradecimento, pela abertura do espaço. Sabemos que a Congregação poderia ter um formato bem diferente. Mas esse não é o momento para discutirmos a respeito.
O agradecimento, por mais contraditório que pareça, se justifica pelo período sombrio na universidade, onde o diálogo, as diferenças e o sentido público, parecem estar correndo o risco de extinção. A diretora Sandra Nitrini, ao nos convidar, agiu de maneira republicana. E é isso que o seu cargo exige de quem o ocupa. O cargo é político, a postura deve ser no mínimo republicana. Como não foi republicana a retirada da antena da Rádio Várzea Livre do Rio Pinheiros em janeiro desse ano, na calada da noite [1]. Mas como foi republicana a disposição da diretora em sempre conversar conosco quando solicitada.
E é nesse sentido que queremos pautar a relação da Rádio Várzea com as instituições da Universidade. Essa lógica clandestina que tem imperado nos últimos anos apenas reforça a inversão de valores que tem ocorrido na Universidade, onde o medo da repressão amparada no discurso da lei vem calando o pensamento crítico e a prática negativa.
Vamos parar de ter medo da prisão, da perseguição e da expulsão. A lógica é essa: somos todos criminosos. Mocinho é o governador, mocinho é o reitor, é mocinho o chefe da ROTA, mocinhos são os mandatários do ministério das comunicações, o grupo bandeirantes de comunicação. É isso mesmo?
Se continuar assim, só eles não serão fichados e processados. Haja punição. Haja prisão.
Se não sairmos da lógica da lei, do legal e do ilegal, todos nós sabemos que a Universidade não recuperará o seu papel primordial de espaço crítico da sociedade.
A Rádio Várzea existe há 10 anos, no mesmo espaço. Não será a retirada da sua antena que impedirá a sua existência. Há 10 anos expomos dentro da universidade e irradiamos para fora dela, por meio das diversas oficinas de rádio livres e debates, em tudo quanto é lugar, o Movimento de Ocupação do Latifúndio Eletromagnético.
Há 10 anos, a rádio várzea é um espaço de formação aberto a todos. E muita gente nessa universidade já passou por ela. Muita gente nessa universidade já participou de atividades organizadas pela Rádio Várzea. Sua posição, portanto, dentro da Universidade já está consolidada. A comunidade acadêmica apoia a existência de uma rádio livre dentro da USP e isso já foi demonstrado por diversas vezes.
Sabotaram a Rádio Várzea hoje? Preferimos o Sabotage! 2013 e a resistência prossegue
Sabotaram a Rádio Várzea Livre? Como assim? Quando?
Hoje, dia 18 de fevereiro de 2013, nós da Rádio Várzea Livre participamos de um momento de interação/intervenção na matrícula dos novos ingressantes na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH–USP).
Estávamos transmitindo lindamente pelo 107,1 FM, e também pela internet, quando de repente… (leia o breve relato que segue logo abaixo e perceba o tamanho da repressão que sofre quem quer se comunicar livremente sem governos e corporações religiosas/empresariais/midiáticas).
Essa não é o primeiro ataque que sofremos – seja da Reitoria da USP, da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) ou de grandes corporações empresariais-midiáticas (os neobandeirantes). Em 2011, 2012, 2004 e 2006 — fomos atacados e resistimos em todos esses anos.
O breve relato que segue abaixo é tão vivo, rico e absurdo que merece ser lido em sua totalidade. Em 2013 a repressão e a sabotagem por parte dos de cima continua.
Seguimos fortes na luta coletiva e nas ondas livres. E não estamos sós (novas rádios livres estão surgindo e florescendo por aí). Porque aqui é assim: na Rádio Várzea Livre a gente sabe quem trama e quem tá com a gente…
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Seguinte time, vou mandar um relato de como foi a oficina de hoje…
Primeiramente não foi exatamente uma oficina de rádio livre, foi mais uma demonstração de uma transmissão. Começamos por volta dumas 9 e 30 e a fflch ja estava bem cheia, montamos os equipos em frente ao anfiteatro da história e começamos a transmitir…
Pela manhã os bixos interagiram bastante, colocaram músicas, falaram ao microfone, uns pais colaram também, foi massa… Rolou muito som bom, muita tosqueira e foi tranquilíssimo. Em 107,1 fm estava rolando bem legal, mas no streaming rolava um problema em que a voz não saia, ou quando saia (pela mudança de canais) saia muito chiada… Acontece que nossa mesa só tem duas saídas limpas e duas saídas dos efeitos, e precisávamos de três saídas (pc, transmissa e cubo), acabou que prejudicamos a transmissão online e ela ficou do jeito que dava…
Mas fora isso estava tudo lindo, geral participando… até que por volta dumas 14 e 30 nossa internet caiu misteriosamente (tudo estava rolando com a net da usp-streaming, youtube, grooveshark) e um agente da admnistração da fflch apareceu dizendo que havia um ofício que ordenava que parássemos com a transmissão e desligássemos os equipamentos… Por sorte um de nós foi lá e trucou e o cara não tinha a parada e voltou pra adm da fflch, porém nossa net nunca mais voltou…Então nos focamos na transmissão em fm mesmo, e tudo acabou muito bem, eles não voltaram pra nada…
Vimos que tinham uns p2s [policiais ou seguranças camuflados] filmando e tal, e tinha uns caras com crachá da usp tirando umas fotos, não sei se era tipo uma record ou a globo falando sobre trote ou se era alguém da reitoria…
De qualquer jeito, não tivemos mais nenhuma sabotagem assumida, mas fica ai o alerta pra geral ficar ligado que 2013 não vai ser fácil, mas dissemos em alto e bom som que não recuaremos!
Abraços!
Segue, então, o Sabotage da qual gostamos.
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RÁDIO VÁRZEA LIVRE — SINTONIZE E PARTICIPE! 107, 1 FM LIVRE!
FORA POLÍCIA DO MUNDO!
Teoria do rádio (1927-1932) – Bertolt Brecht
Publicamos aqui e agora um verdadeiro clássico. Retirado originalmente no site do Rizoma de Rádios Livres, com a tradução de Regina Carvalho e Valci Zuculoto, este texto do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956) é um marco para qualquer pessoa/coletivo que quer se comunicar livremente e sem amarras. O texto todo é de uma preciosidade impressionante, com passagens fundamentais que devem ser lidas atentamente e com muito prazer. Mesmo assim, e até para estimular a relação entre o pensamento de Bertold Brecht e a reflexão-ação prática coletiva desenvolvida atualmente pelas rádios livres em diferentes países e por todo o mundo, destacamos aqui o seguinte trecho:
O rádio poderia ser um fantástico sistema de canais se conseguisse não apenas emitir, mas receber, ou seja, se não permitisse ao ouvinte apenas ouvir, mas falar, não o isolando, mas integrando-o… Irrealizáveis nessa organização social, porém realizáveis em outra, essas sugestões servem à propagação e formação dessa outra organização
Em breve publicaremos, aqui mesmo no blog, um pouco mais sobre as reflexões inovadoras e desafiantes de Brecht sobre o rádio e suas potencialidades de participação e comunicação coletiva. Por enquanto, vamos nos deleitar com esse belo escrito.
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I. O rádio: uma descoberta antideluviana?
Lembro como ouvi falar do rádio pela primeira vez. Foram notícias irônicas de jornal sobre um furacão radiofônico completo, cuja missão era arrasar a América. No entanto, tinha-se a impressão de que se tratava de assunto não apenas da moda, mas realmente moderno.
Esta impressão se desvaneceu muito rápido, quando também tivemos ocasião de ouvir rádio. Naturalmente, a princípio ficava-se maravilhado e se perguntava de onde procediam aquelas audições musicais, mas logo tal admiração foi substituída por outra: perguntava-se que tipo de audições procediam do éter. Era um triunfo colossal da técnica, poder colocar por fim, ao alcance do mundo inteiro, uma valsa vienense e uma receita de cozinha. Como quem diz com todo segurança.
Coisas da época, mas com que objetivo? Recordo uma velha história em que se queria demonstrar a um chinês a superioridade da cultural ocidental. O chinês perguntou: “que tendes?” Responderam-lhe: “Estradas de ferro, automóveis, telefone”. “Sinto ter que lhes dizer – replicou o chinês cortesmente – que isso nós já tratamos de esquecer.”
No que diz respeito ao rádio, tive, em seguida, a impressão terrível de que é um aparelho incrivelmente velho, que ficou relegado ao esquecimento pelo Dilúvio Universal. Temos o velho hábito de ir sempre ao fundo de todas as coisas, para saber das vantagens que podem possibilitar, mesmo quando se trata dos risos mais sem graça da rua. Fazemos um consumos descomunal de coisas cujas vantagens podemos examinar. E temos muito poucas pessoas dispostas a renunciar a elas, como neste caso do rádio.
O fato é que sempre nos deixamos levar apenas pelas possibilidades e nela emperramos. Estas, que vocês vêem se levantar por onde quer que seja, têm colhido de surpresa, sem dúvida, a uma burguesia completamente esgotada, gasta por façanhas e más ações. Enquanto tal burguesia as tiver na mão, serão inabitáveis. A burguesia as avalia simplesmente levando em conta as perspectivas que, logicamente, possam oferecer. Eis a causa da supervalorização exorbitante de todas as coisas e de todas as organizações que encerram “possibilidades”. Ninguém se preocupa com os resultados. Restringem-se simplesmente às possibilidades. E isto não é bom.
Rádio Várzea Livre, São Paulo (Brasil), 2013 – Rádio Alice, Bolonha (Itália), 1976-1977
Ainda estamos retomando o fôlego, após todas as atividades que realizamos em 2012. Mas, e isso já podemos garantir, 2013 começou com tudo!
Várias frentes de batalhas já estão rolando (oficinas, debates, reuniões, testes de streaming-transmissão pela internet, transmissão por antena etc.) e a Rádio Várzea Livre está envolvida nas mobilizações contra a reintegração de posse e despejo das 68 famílias do Assentamento Milton Santos. Um pouco mais sobre esse assunto, e a atuação da Várzea nesse processo de luta (que continua!) pelo decreto de desapropriação do terreno por interresse social, foi publicado aqui, aqui e aqui.
Para não ficarmos muito tempo sem essa troca-compartilhar aqui no blog, aí vão boas imagens de uma luta que nos inspira até hoje.
A partir dos anos de 1970, período de forte movimentação política e social autônoma, inúmeros coletivos começam a desenvolver atividades que questionavam o modelo atual de comunicação que a grande imprensa ofertava. Grande parte das reportagens produzidas pelos grandes jornais e Tvs tinham como intenção clara apenas criminalizar e deslegitimar os movimentos sociais e pessoas que estavam combatendo de forma autônoma, desde o final dos anos 1960, o capitalismo em várias cidades europeias. As rádios livres (tendo como precursora a Rádio Alice) participaram desse turbilhão de debates e ações coletivas.
Para saber um pouco mais da Rádio Alice, é só acessar esse post (publicaremos a segunda parte do texto em breve).
Uma de suas chamadas-vinhetas transmitia livremente o seguinte:
Rádio Alice transmite música, notícias, jardins floridos, conversa fiada, invenções, receitas, horóscopos, filtros mágicos, amores, boletins de guerra, fotografias, mensagens, massagens, mentiras…
Uma das melhores formas de continuarmos a renovação, crítica e superadora, de um movimento autônomo – como são as rádios livres – passa pelo conhecimento de sua história de luta e debates. Eis, então, algumas imagens que relembram a atuação da Rádio Alice.