OCUPANDO O LATIFÚNDIO ELETROMAGNÉTICO

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Mídia e Cultura de Violência

O texto abaixo foi utilizado como disparador de discussão em uma das atividades do Fórum Pelo Fim dos Massacres, organizado em 2012 pela Rede 02 de Outubro como um dos espaços de discussão e memória do Massacre do Carandiru e de outros Massacres cometidos pelo Estado brasileiro.

No Brasil, vivemos em uma sociedade democrática, de direitos e deveres. Nem sempre foi assim, não são todas as formas de governo que ofertam direitos e atribuem deveres. Contudo, por estarmos falando exatamente do regime democrático, sabemos de antemão que tais direitos e deveres não são anteriores à existência humana. Pelo contrário, os pilares e as especificidades das democracias foram, são e sempre serão construídos por homens e mulheres.

Existem os direitos monopolizados pelo Estado, exercidos em função de interesses pautados pelo controle da economia, da política institucional, da educação, da comunicação. Entre estes, e para nós do coletivo Rádio Várzea, merecem destaque o direito de vigiar, de punir, de coagir através da violência sistematizada. Em outro sentido, mas não menos distantes da mão reguladora do Estado e da classe que o domina, existem os direitos adquiridos a partir de lutas sociais históricas, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o Sistema Único de Saúde, a Educação pública e gratuita, o teatralizado direito ao voto, entre outros.

 maes de maio

Como dito anteriormente, em nossa sociedade democrática, o direito de gestão da segurança/violência pública (fazendo da Polícia e de outros aparatos militarizados o seu principal instrumento de ação) é exclusivo do Estado. Sobretudo porque sem este é impossível salvaguardar a relação recíproca reproduzida diariamente entre a defesa da propriedade privada, o desnivelamento social e econômico da população, e a punição daqueles (as) que se encontram à margem do que as leis e códigos penais definem como certo.

A partir desse pressuposto, o Estado fortalece instituições e políticas públicas que executam a tarefa de manutenção da legalidade, lançando mão de ações estrategicamente planejadas, que vão desde praticar a execução sumária de trabalhadores (as) por grupos de extermínio paramilitarizados, a culpabilizar quem não se enquadra no status quo através do encarceramento “juridicamente infundado” (para usar um termo caro aos mais conservadores) de uma quantidade gigante de menores de idade e mulheres e homens adultos, a maioria negros(as), pobres e moradores(as) de regiões periféricas das grandes cidades.

Esta política de perseguição e extermínio se manifesta de diversas maneiras. Atenção redobrada para a existência de polícias, diferentes nas fardas, não nos objetivos, que utilizam como argumento a defesa da propriedade pública e privada, que a mídia comercial nos ensinou a chamar de “Ordem!”, para justificar o terrorismo de Estado ao qual as populações empobrecidas e marginalizadas são submetidas todos os dias.

 Rota mata

Pensamos aqui em uma forma de violência midiaticamente velada, uma constante política do medo, pautada pela opressão sistêmica às camadas da população supracitadas. Curioso observar que os atos de violência propriamente definidos nem precisam acontecer de fato, apesar de a regra ser acontecerem cotidianamente. Eles habitam as mentalidades e colocam-se como instrumento real de efetivação desta política. Por exemplo, o simples fato de um policial militar andar pelas ruas com uma pistola .40 traz muito mais sensação de temor do que sensação de segurança, uma vez que conhecemos a atuação de nossos polícias ao longos dos séculos – de Tobias de Aguiar a Telhada – o modus operandi se mantém.

Também a imagem de um presídio (seja a fachada ou o pátio interno) produz em quem a vê uma sensação de opressão, de sofrimento, de perda do direito à Paz, à Justiça, à Liberdade, e à Esperança. Ou seja, tudo muito diferente do estímulo que deveria desmotivar qualquer forma de atuação que vá contra a tal sociedade democrática de direitos.

Nesse projeto, a comunicação torna-se instrumento de controle social e ideológico, na medida em que omite informações e vozes, e prolifera (no sentido mais infeccioso possível), de forma completamente acrítica, vazia, e desonesta, uma suposta dicotomia entre polícia x ladrão, bem x mal, marginalidade x estado. Constroem-se, assim, conceitos compatíveis apenas com as demandas de uma determinada classe, a dominante, e um determinado modelo socioeconômico: o neoliberalismo e seus pressupostos. Este mesmo modelo que vincula sonhos à aquisição de bens materiais, os quais a maior parte da população nunca terá acesso, por não possuírem meios, propriedades, heranças, nem acesso às numerosíssimas “oportunidades” que nos são concedidas pelo mundo do trabalho.

mulheres presas

Claro, falamos aqui de uma mídia privada e comercial, que atua de forma falaciosa no Brasil devido a permissividade do Estado, que privilegia conglomerados empresariais da comunicação, os quais não apoiam qualquer atuação social minimamente democrática sobre a regulamentação de uma Comunicação popular e abrangente, e que têm pavor ao ouvir falar em classes marginalizadas, defendendo somente parâmetros morais, políticos e sociais que os donos do Lucro reafirmam como “bons”.

Essa mesma mídia que engendra na população um sentimento de insegurança, um clima de guerra, uma polarização fruto da cultura de violência, segundo a qual o cidadão precisa escolher qual lado apoiará, oferecendo como outro lado uma cultura de paz, a paz de giroflex, fuzil, celas, presídios, colete à prova de balas, e sangue pobre derramado.

Rádio Varzea Livre do Rio Pinheiros, 107,1fm