OCUPANDO O LATIFÚNDIO ELETROMAGNÉTICO

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Desconectados, uni-vos! Brecht e a Teoria do Rádio

Publicamos aqui, dando continuidade ao nosso compartilhar e reflexão coletiva sobre a experiência de comunicação livre, um texto sobre as ideias e pensamento de Bertold Brecht em relação às potencialidades de participação e comunicação coletiva que o rádio propicia como instrumento para a transformação social.

O artigo foi originalmente publicado no número 60 (volume 21) da Revista do Instituto de Estudos Avançados de maio/agosto de 2007.

Brecht e a “Teoria do rádio”

Celso Frederico

Não existe nenhuma possibilidade de evitar o poder da 
desconexão mediante a organização dos desconectados?

As reflexões pioneiras de Brecht sobre o rádio estão sintetizadas num conjunto de breves artigos sobre esse então novo meio de comunicação, escritos entre 1927 e 1932, no mesmo período das “peças didáticas”.1 Em ambas as intervenções encontram-se o apelo à participação, o incentivo para que o mundo do trabalho tome a palavra. Os conhecimentos teóricos do teatro épico, diz Brecht, podem e devem ser aplicados à radiodifusão.

O novo teatro e o novo meio de comunicação caminham juntos para realizar o imperativo de interatividade, deixando para trás o antigo conceito que via a cultura como uma forma que “já está constituída” e, portanto, “não carece de qualquer esforço criativo continuado”.

O “esforço criador”, tanto no teatro como na radiodifusão, não se contentava com o “aprimoramento” dessas entidades, de abastecê-las com bons produtos, mas visava à sua transformação radical. Vale aqui lembrar a famosa passagem de “Notas sobre Mahagonny”, escritas em 1930:

a engrenagem é determinada pela ordem social; então não se acolhe bem senão o que contribui para a manutenção da ordem social. Uma inovação que não ameace a função social da engrenagem […] pode por ela ser apreendida. Mas as que tornam iminente a mudança dessa função e procuram dar à engrenagem uma posição diferente na sociedade […] é renegada por ela. A sociedade absorve por meio da engrenagem apenas o que necessita para sua perpetuação. (Brecht, 1967, p.56)

Brecht não tinha ilusões sobre a capacidade de cooptação e neutralização do sistema, e, como marxista, observou muito antes de Adorno o primado da produção sobre o consumo dos bens simbólicos ao afirmar que “é a engrenagem que elabora o produto para consumo”.

As radicais e muito criativas teses brechtianas sobre o rádio e o teatro exprimem, como não poderia deixar de ser, o momento histórico vivido pelos intelectuais alemães, ainda marcado pelo entusiasmo provocado pela revolução russa de 1917 e pela certeza de que a revolução, abortada na Alemanha em 1919, em breve triunfaria.

A agitação política do período foi acompanhada de uma intensa fermentação cultural em que se discutiam o esgotamento das formas tradicionais de se fazer arte e a busca de novas formas de comunicação. Nesse sentido, os alemães reproduziram em boa parte o debate russo sobre o novo papel da arte na sociedade a ser construída.2

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Rádio Várzea derruba avião? Diretoria FFLCH: diálogo ou repressão?

Foi tranquilo o segundo dia (19 de fevereiro de 2013) de participação da Rádio Várzea Livre na matrícula dos novos ingressantes na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH–USP). Aliás, tranquilo não é bem a palavra certa para descrever o que sentimos um dia depois de sermos atacados (coerção, vigilância, ameaças, corte de sinal da internet e tudo mais) pelos de cima.

radiolivreatacaNossa transmissão pelo 107,1 FM aconteceu novamente. A transmissão pela internet (via rádio-web), infelizmente, não. Mesmo assim, estudantes e ingressantes puderam interagir e se comunicar livremente, gerando uma rica experiência de interlocução entre pessoas de diferentes lugares, vivências e idades. O diálogo se fez presente. 

Por falar em diálogo…

Rumores indicam que a nova Diretoria da FFLCH–USP convocou uma reunião de emergência com os Representantes Discentes (RDs) sobre o tal “caso da rádio ilegal que estava funcionando na matrícula”. Parece existir, agora, uma tentativa de marcar uma reunião com a tal rádio e avisar que tudo está sendo feito “de maneira ilegal” (desrespeitando a “Constituição Federal”)  – fato este que estaria prejudicando e causando transtornos, segundo alega a burocracia acadêmica, a imagem da FFLCH–USP.

Algumas perguntas, no entanto, ficam no ar: quem está pressionando a FFLCH–USP, dizendo que a Rádio Várzea Livre deve ser fechada? Será que a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), e seu mito da interferência, tem algo a ver com essa história? E a Reitoria da USP, também está pressionando o diretor da FFLCH–USP para que a rádio livre encerre suas atividades? Ou essa coerção é fruto, na verdade, de uma ação concertada das grandes corporações empresariais-midiáticas  (os neobandeirantes) – interessadas que estão em defender a parte que lhes cabe nesse latifúndio do espectro eletromagnético? Rádio Livre derruba avião?

E por falar, ainda, em diálogo, vamos relembrar um história de não muito tempo…

iconoNo ano passado (2012). a Rádio Várzea Livre exigiu – depois de mais um ataque à nossa antena de transmissão (também sofremos sabotagens em 20112004 e 2006) – esclarecimentos da Diretoria da FFLCH–USP sobre a repressão que recaía sobre nós por desenvolvermos um projeto de comunicação livre, sem governos e corporações (religiosas/empresariais/midiáticas), na USP. Naquela ocasião, elaboramos um texto que foi lido na Congregação da FFLCH. Depois desse momento de intervenção, novas promessas de diálogo – por parte da Diretoria da FFLCH–USP – surgiram… Aí o tempo foi passando… Passando… E cá estamos nós, novamente, sendo atacados/coagidos pela nova gestão da Diretoria da FFLCH–USP.

Mas nós não iremos nos calar! Nossa luta pela comunicação livre, dentro e fora dos muros da universidade, continua!

E, até para mostrar que não iremos ser enganados por aqueles que estão interessados em sabotar a nossa experiência de autogestão e comunicação alternativa – e chamam toda essa sabotagem de tentativa de diálogo –, eis o recado que demos ano passado na Congregação da FFLCH. Vale, e muito, a pena a sua leitura – mesmo que o texto seja um pouco extenso. Contextualiza, em grande parte, a nossa luta, a repressão que sofremos e porque acreditamos e colocamos em prática o nosso projeto de comunicação livre.

***

Pronunciamento do Coletivo Rádio Várzea Livre do Rio Pinheiros na Congregação da FFLCH no dia 23 de agosto de 2012

Primeiramente, gostaríamos de lamentar e agradecer. O lamento, pelos parcos minutos que temos nesse fórum. O agradecimento, pela abertura do espaço. Sabemos que a Congregação poderia ter um formato bem diferente. Mas esse não é o momento para discutirmos a respeito.

O agradecimento, por mais contraditório que pareça, se justifica pelo período sombrio na universidade, onde o diálogo, as diferenças e o sentido público, parecem estar correndo o risco de extinção. A diretora Sandra Nitrini, ao nos convidar, agiu de maneira republicana. E é isso que o seu cargo exige de quem o ocupa. O cargo é político, a postura deve ser no mínimo republicana. Como não foi republicana a retirada da antena da Rádio Várzea Livre do Rio Pinheiros em janeiro desse ano, na calada da noite [1]. Mas como foi republicana a disposição da diretora em sempre conversar conosco quando solicitada.

E é nesse sentido que queremos pautar a relação da Rádio Várzea com as instituições da Universidade. Essa lógica clandestina que tem imperado nos últimos anos apenas reforça a inversão de valores que tem ocorrido na Universidade, onde o medo da repressão amparada no discurso da lei vem calando o pensamento crítico e a prática negativa.

Vamos parar de ter medo da prisão, da perseguição e da expulsão. A lógica é essa: somos todos criminosos. Mocinho é o governador, mocinho é o reitor, é mocinho o chefe da ROTA, mocinhos são os mandatários do ministério das comunicações, o grupo bandeirantes de comunicação. É isso mesmo?

Se continuar assim, só eles não serão fichados e processados. Haja punição. Haja prisão.

Se não sairmos da lógica da lei, do legal e do ilegal, todos nós sabemos que a Universidade não recuperará o seu papel primordial de espaço crítico da sociedade.

A Rádio Várzea existe há 10 anos, no mesmo espaço.  Não será a retirada da sua antena que impedirá a sua existência.  Há 10 anos expomos dentro da universidade e irradiamos para fora dela, por meio das diversas oficinas de rádio livres e debates, em tudo quanto é lugar, o Movimento de Ocupação do Latifúndio Eletromagnético.

Há 10 anos, a rádio várzea é um espaço de formação aberto a todos. E muita gente nessa universidade já passou por ela.  Muita gente nessa universidade já participou de atividades organizadas pela Rádio Várzea. Sua posição, portanto, dentro da Universidade já está consolidada. A comunidade acadêmica apoia a existência de uma rádio livre dentro da USP e isso já foi demonstrado por diversas vezes.

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Sabotaram a Rádio Várzea hoje? Preferimos o Sabotage! 2013 e a resistência prossegue

Sabotaram a Rádio Várzea Livre? Como assim? Quando?

Hoje, dia 18 de fevereiro de 2013, nós da Rádio Várzea Livre participamos de um momento de interação/intervenção na matrícula dos novos ingressantes na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH–USP).

Estávamos transmitindo lindamente pelo 107,1 FM, e também pela internet, quando de repente… (leia o breve relato que segue logo abaixo e perceba o tamanho da repressão que sofre quem quer se comunicar livremente sem governos e corporações religiosas/empresariais/midiáticas).

Essa não é o primeiro ataque que sofremos – seja da Reitoria da USP, da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) ou de grandes corporações empresariais-midiáticas  (os neobandeirantes). Em 2011, 2012, 2004 e 2006 — fomos atacados e resistimos em todos esses anos.

O breve relato que segue abaixo é tão vivo, rico e absurdo que merece ser lido em sua totalidade. Em 2013 a repressão e a sabotagem por parte dos de cima continua.

Seguimos fortes na luta coletiva e nas ondas livres. E não estamos sós (novas rádios livres estão surgindo e florescendo por aí). Porque aqui é assim: na Rádio Várzea Livre a gente sabe quem trama e quem tá com a gente…

***

Seguinte time, vou mandar um relato de como foi a oficina de hoje…

Primeiramente não foi exatamente uma oficina de rádio livre, foi mais uma demonstração de uma transmissão. Começamos por volta dumas 9 e 30 e a fflch ja estava bem cheia, montamos os equipos em frente ao anfiteatro da história e começamos a transmitir…

Pela manhã os bixos interagiram bastante, colocaram músicas, falaram ao microfone, uns pais colaram também, foi massa… Rolou muito som bom, muita tosqueira e foi tranquilíssimo. Em 107,1 fm estava rolando bem legal, mas no streaming rolava um problema em que a voz não saia, ou quando saia (pela mudança de canais) saia muito chiada… Acontece que nossa mesa só tem duas saídas limpas e duas saídas dos efeitos, e precisávamos de três saídas (pc, transmissa e cubo), acabou que prejudicamos a transmissão online e ela ficou do jeito que dava…

Mas fora isso estava tudo lindo, geral participando… até que por volta dumas 14 e 30 nossa internet caiu misteriosamente (tudo estava rolando com a net da usp-streaming, youtube, grooveshark) e um agente da admnistração da fflch apareceu dizendo que havia um ofício que ordenava que parássemos com a transmissão e desligássemos os equipamentos… Por sorte um de nós foi lá e trucou e o cara não tinha a parada e voltou pra adm da fflch, porém nossa net nunca mais voltou…Então nos focamos na transmissão em fm mesmo, e tudo acabou muito bem, eles não voltaram pra nada… 

Vimos que tinham uns p2s [policiais ou seguranças camuflados] filmando e tal, e tinha uns caras com crachá da usp tirando umas fotos, não sei se era tipo uma record ou a globo falando sobre trote ou se era alguém da reitoria…

De qualquer jeito, não tivemos mais nenhuma sabotagem assumida, mas fica ai o alerta pra geral ficar ligado que 2013 não vai ser fácil, mas dissemos em alto e bom som que não recuaremos!

Abraços!

Segue, então, o Sabotage da qual gostamos.

[accessibleyoutube id=”6NQPFv_CsEQ” width=480 height=320]

RÁDIO VÁRZEA LIVRE — SINTONIZE E PARTICIPE!   107, 1 FM LIVRE!

http://varzea.radiolivre.org/

www.radiolivre.org

FORA POLÍCIA DO MUNDO!

Teoria do rádio (1927-1932) – Bertolt Brecht

Publicamos aqui e agora um verdadeiro clássico. Retirado originalmente no site do Rizoma de Rádios Livres, com a tradução de Regina Carvalho e Valci Zuculoto, este texto do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956) é um marco para qualquer pessoa/coletivo que quer se comunicar livremente e sem amarras. O texto todo é de uma preciosidade impressionante, com passagens fundamentais que devem ser lidas atentamente e com muito prazer. Mesmo assim, e até para estimular a relação entre o pensamento de Bertold Brecht e a reflexão-ação prática coletiva desenvolvida atualmente pelas rádios livres em diferentes países e por todo o mundo, destacamos aqui o seguinte trecho:

O rádio poderia ser um fantástico sistema de canais se conseguisse não apenas emitir, mas receber, ou seja, se não permitisse ao ouvinte apenas ouvir, mas falar, não o isolando, mas integrando-o… Irrealizáveis nessa organização social, porém realizáveis em outra, essas sugestões servem à propagação e formação dessa outra organização

Em breve publicaremos, aqui mesmo no blog, um pouco mais sobre as reflexões inovadoras e desafiantes de Brecht sobre o rádio e suas potencialidades de participação e comunicação coletiva. Por enquanto, vamos nos deleitar com esse belo escrito.

***

I. O rádio: uma descoberta antideluviana?

Lembro como ouvi falar do rádio pela primeira vez. Foram notícias irônicas de jornal sobre um furacão radiofônico completo, cuja missão era arrasar a América. No entanto, tinha-se a impressão de que se tratava de assunto não apenas da moda, mas realmente moderno.

Esta impressão se desvaneceu muito rápido, quando também tivemos ocasião de ouvir rádio. Naturalmente, a princípio ficava-se maravilhado e se perguntava de onde procediam aquelas audições musicais, mas logo tal admiração foi substituída por outra: perguntava-se que tipo de audições procediam do éter. Era um triunfo colossal da técnica, poder colocar por fim, ao alcance do mundo inteiro, uma valsa vienense e uma receita de cozinha. Como quem diz com todo segurança.

Coisas da época, mas com que objetivo? Recordo uma velha história em que se queria demonstrar a um chinês a superioridade da cultural ocidental. O chinês perguntou: “que tendes?” Responderam-lhe: “Estradas de ferro, automóveis, telefone”. “Sinto ter que lhes dizer – replicou o chinês cortesmente – que isso nós já tratamos de esquecer.”

No que diz respeito ao rádio, tive, em seguida, a impressão terrível de que é um aparelho incrivelmente velho, que ficou relegado ao esquecimento pelo Dilúvio Universal. Temos o velho hábito de ir sempre ao fundo de todas as coisas, para saber das vantagens que podem possibilitar, mesmo quando se trata dos risos mais sem graça da rua. Fazemos um consumos descomunal de coisas cujas vantagens podemos examinar. E temos muito poucas pessoas dispostas a renunciar a elas, como neste caso do rádio.

O fato é que sempre nos deixamos levar apenas pelas possibilidades e nela emperramos. Estas, que vocês vêem se levantar por onde quer que seja, têm colhido de surpresa, sem dúvida, a uma burguesia completamente esgotada, gasta por façanhas e más ações. Enquanto tal burguesia as tiver na mão, serão inabitáveis. A burguesia as avalia simplesmente levando em conta as perspectivas que, logicamente, possam oferecer. Eis a causa da supervalorização exorbitante de todas as coisas e de todas as organizações que encerram “possibilidades”. Ninguém se preocupa com os resultados. Restringem-se simplesmente às possibilidades. E isto não é bom.

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Rádio Várzea Livre, São Paulo (Brasil), 2013 – Rádio Alice, Bolonha (Itália), 1976-1977

Ainda estamos retomando o fôlego, após todas as atividades que realizamos em 2012. Mas, e isso já podemos garantir, 2013 começou com tudo!

Várias frentes de batalhas já estão rolando (oficinas, debates, reuniões, testes de streaming-transmissão pela internet, transmissão por antena etc.) e a Rádio Várzea Livre está envolvida nas mobilizações contra a reintegração de posse e despejo das 68 famílias do Assentamento Milton Santos. Um pouco mais sobre esse assunto, e a atuação da Várzea nesse processo de luta (que continua!) pelo decreto de desapropriação do terreno por interresse social, foi publicado aqui, aqui e aqui.

Para não ficarmos muito tempo sem essa troca-compartilhar aqui no blog, aí vão boas imagens de uma luta que nos inspira até hoje.

radio_alicefiosA partir dos anos de 1970, período de forte movimentação política e social autônoma, inúmeros coletivos começam a desenvolver atividades que questionavam o modelo atual de comunicação que a grande imprensa ofertava. Grande parte das reportagens produzidas pelos grandes jornais e Tvs tinham como intenção clara apenas criminalizar e deslegitimar os movimentos sociais e pessoas que estavam combatendo de forma autônoma, desde o final dos anos 1960, o capitalismo em várias cidades europeias. As rádios livres  (tendo como precursora a Rádio Alice) participaram desse turbilhão de debates e ações coletivas.

Para saber um pouco mais da Rádio Alice, é só acessar esse post (publicaremos a segunda parte do texto em breve).

Uma de suas chamadas-vinhetas transmitia livremente o seguinte:

Rádio Alice transmite música, notícias, jardins floridos, conversa fiada, invenções, receitas, horóscopos, filtros mágicos, amores, boletins de guerra, fotografias, mensagens, massagens, mentiras…

Uma das melhores formas de continuarmos a renovação, crítica e superadora, de um movimento autônomo – como são as rádios livres – passa pelo conhecimento de sua história de luta e debates. Eis, então, algumas imagens que relembram a atuação da Rádio Alice.

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Assentamento Milton Santos – a luta continua!

MG_6631-1024x682A luta continua para as famílias do Assentamento Milton Santos. Depois de doze dias de luta e ocupações pela cidade de São Paulo, assentados e apoiadores retornam ao Milton Santos e seguem em luta com toda disposição e dignidade. Para entender um pouco sobre essa nova etapa de luta que se inicia agora, recomendamos a leitura desse artigo do Passa Palavra – que dá uma boa dimensão dos últimos acontecimentos.

Nesses dias todos, tão corridos, nós aqui da Rádio Várzea Livre deixemos de atualizar o blog por um tempo. Pedimos desculpas e voltamos com boas novidades e informes.Eis a notícia do dia 23 de janeiro, conforme relatado pelos próprios assentados:

<<na Ocupação do Incra pelas famílias do Assentamento Milton Santos/Acampamento João Zinclair, tivemos, pela tarde, uma Oficina de Zine com o companheiro Batata Sem Umbigo, da Fábrica Ocupada Flaskô, com a presença da Rádio Várzea Livre.>>

Para além dessa oficina sensacional, que uniu o faça você mesmo do zine e da rádio livre, os dias de Ocupação do INCRA foram de intenso aprendizado e luta coletiva. Mas, conforme dissemos antes, a luta não acabou!

MiltonSantos-BoletimEstá disponível nesta página (clique na marcação!) todas as matérias – textos e vídeos – que vêm sendo publicadas no Passa Palavra sobre a luta do Assentamento Milton Santos.

É fundamental continuarmos a divulgar e estarmos juntos, de toda forma que pudermos, nessa importante mobilização!

Assentamento Milton Santos: Resistência e Luta!!!

Rádio Várzea Livre e Assentamento Milton Santos – ombro a ombro

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O Assentamento Milton Santos resiste. O Incra de São Paulo está ocupado desde terça-feira.

Para começar bem, um informe. Está disponível nesta página (clique na marcação!) todas as matérias – textos e vídeos – que vêm sendo publicadas no Passa Palavra sobre a luta do Assentamento Milton Santos.

Como já dissemos aqui, nós, da Rádio Várzea Livre, estamos lado a lado com aqueles que lutam e desejam superar esse sistema social que encarcera e reprime todos nós que queremos viver autonomamente em liberdade.

E é por isso que na última quinta-feira, 17 de janeiro, estivemos presentes novamente com os apoiadores e assentados do Milton Santos na Ocupação do INCRA. Eis aqui um trecho do relato do Passa Palavra:

<<Formação e cultura na ocupação

Mas nem só de acaloradas reuniões foi o dia da ocupação. Logo após o almoço, a Rádio Livre Várzea desenvolveu uma atividade no portão de entrada da ocupação. Foi deixado um microfone aberto para os assentados contarem suas histórias de vida, darem depoimentos, tirarem sarro e rirem um pouco. Em seguido, o coletivo fez uma breve discussão sobre o tema da comunicação e a cobertura das lutas sociais na grande mídia.>>

radioFormação, realmente. Aprendemos, muito, nesse dia. Por esse motivo, agradecemos aos assentadores e apoiadores e estaremos presentes na próxima semana com mais atividades no front da batalha.

Nesse mesmo dia, conforme pode ser lido no relato aqui citado, ocorreu uma reunião tensa e cheia de promessas vazias (até quando?) com os representantes do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Fica o recado: Presidente Dilma, você tem poucos dias para assinar o decreto pela desapropriação por interesse social da área do Assentamento Milton Santos!

Deixando esse pessoal para lá e para somar ainda no apoio concreto, os companheiros das Rede Extremo Sul realizaram uma excelente atividade, com vídeo e discussão sobre as condições de luta na periferia de São Paulo. Foi um momento de muito aprendizado e de trocas de ideias que enriqueceram nosso pensar e agir. O dia atnda terminou da melhor maneira possível: tivemos a chance de conferir o som do O Conselho, formado por um projeto de rap com as crianças da região do Campo Limpo, zona sul da cidade, e o rapper Robsoul, do Grajaú (também sul).

É isso aí. Semana que vem agora, já para começar, tem mais. Muito força, apoio e solidariedade concreta. Rádios Livres e Assentamentos juntos! Reforma Agrária na terra e no ar. Somos todos Milton Santos!

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Apelo de solidariedade às famílias do assentamento Milton Santos

Reproduzimos, a seguir, o importante comunicado do Coletivo de Comunicação do Assentamento Milton Santos. Nós, da Rádio Várzea Livre, estamos lado a lado com aqueles que lutam e desejam superar esse sistema social que encarcera e reprime todos nós que queremos viver autonomamente em liberdade.

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A comunidade do assentamento Milton Santos vive uma situação urgente e extremamente delicada.

O assentamento Milton Santos é uma comunidade consolidada há 7 anos, por 68 famílias que batalharam na luta pela reforma agrária e construíram suas casas e suas vidas mantendo plantação e produção de alimentos na região de Americana, São Paulo. No entanto, desde julho de 2012, os moradores do Milton Santos vêm sofrendo pressões para saírem das terras nas quais foram legalmente assentados pelo presidente Lula e pelo Incra, em 23 de dezembro de 2005.

Em meados do ano passado, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foi intimado a cumprir uma reintegração de posse solicitada pela pela família Abdalla, antiga proprietária do terreno que teve parte de sua propriedade confiscada, na década de 1970,  por conta de dívidas que mantinha com o Estado. Ignorando o longo e doloroso processo de consolidação da comunidade de pequenos agricultores – que conta inclusive com apoio de diversos programas governamentais – o Desembargador Federal Luiz Stefanini autorizou a ordem de despejo.

Desde então, várias tentativas se seguiram no sentido de reverter a situação. Conversas com representantes do governo e ações de protesto foram realizadas, mas nenhuma delas trouxe a garantia que as famílias precisam para voltarem às suas vidas e continuarem a sua produção.

No início desse ano, no dia 09 de janeiro, o Incra foi oficialmente comunicado da decisão judicial, que estabelece o prazo de 15 dias para as famílias se retirarem do terreno. Conforme o documento, a partir do dia 24 de janeiro a ação de despejo pode ser executada com o uso da força policial. E, de acordo com o histórico da região, é muito provável que esta ação seja feita de forma altamente truculenta.

Os assentados não têm nenhuma alternativa, por isso prometem lutar até as últimas consequências para que possam continuar vivendo tranquilamente em suas casas, com suas plantações, na comunidade onde já estão há 7 anos e pela qual empenharam toda a vida. Por isso, reivindicam que a presidenta da república, Dilma Rousseff, assine o decreto de desapropriação da área por interesse social, a única medida que resolveria o problema de forma definitiva.

A situação no local é extremamente tensa. É urgente difundir o que está acontecendo com o assentamento Milton Santos e apoiar a luta dessas famílias que correm o risco de serem jogadas na rua a partir do dia 24 deste mês. Apelamos para que apoiadores da causa, jornalistas e observadores de direitos humanos voltem a sua atenção para o caso e não deixem que outra barbárie se repita.

Saiba mais sobre o caso:

www.assentamentomiltonsantos.com.br

http://www.facebook.com/AssentamentoMiltonSantos

Entre em contato pelo email:

assentamentomiltonsantos@gmail.com

Coletivo de Comunicação do Assentamento Milton Santos

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Arrepia e inspira — estamos iniciando nossas transmissões

A Rádio Várzea Livre do Rio Pinheiros 107,1 fm tem o orgulho de iniciar suas transmissões em 2013 publicando uma de tantas das nossas construções coletivas e horizontais.

Poderia ser um manifesto, uma nota de apoio, ou mesmo uma referencia a tantas lutas que nos inspiram, todavia é algo que não está longe, que nos é palpável, que nos propiciou e propicia a a oportunidade de andarmos lado a lado, que nos mostra que se unir frente aos inimigos (e tem uma par), independentemente do front em que combatemos, é sempre mais importante, mais bonito, mais politico, mais verdadeiro!

Essa transmissão tem o intuito de dizer que somos LIVRES, que SOMOS RÁDIO, e que em 2013 correremos fortemente na pegada, juntos e misturados com todos que assim como nós procuram um mundo horizontal, autogestionado, abaixo e a esquerda.

Por isso temos o prazer de compartilhar o texto que escrevemos para o livro recém lançado pelas Mães de MaioMães de Maio, Mães do Carcere – A Periferia Grita, que em sua luta incessante por um mundo onde caibam muitos mundos, nós mostra que não estamos sós e nem mal acompanhados, como dizem nossos parceiros do XEMALAMI.

Eis, então, o texto publicado:

O respeito pela militância das Mães de Maio sempre foi motivo de conversas nos programas e reuniões da Rádio Várzea Livre do Rio Pinheiros.

A cada dificuldade que temos em nosso dia a dia, enfrentando aqueles que querem nos calar sistematicamente, a cada desânimo que temos no nosso dia a dia militante com as contingências cotidianas para os membros de um coletivo que tentam se organizar à margem e para além dessa sociedade – nestes, e em outros tantos momentos, pensamos nas Mães de Maio.

Arrepia e inspira.

Porque o caminho mais comum após a tragédia calculada friamente pelo Estado que se acometeu em suas vidas, era que elas se calassem e voltassem de forma silenciosa para as suas casas. Porque é assim o cotidiano e é isso que os governantes e empresários esperam do povo negro e pobre desse país. Resignação, sofrimento individual e paciência – é isso que os senhores de cima esperam daqueles que sofrem injustiças. Tentar apenas pela via da lei significaria a esterilização de qualquer sentimento de revolta, de qualquer sentimento de esperança de que um dia a vida pode ser diferente. A lei tem lado – a justiça só é cega pra quem tá alienado.

Ao não se calarem perante aos milhares de entraves, ameaças, mentiras e todos os obstáculos que impedem às mães de terem o direito à verdade em plena democracia, o movimento das Mães de Maio desnaturaliza a história e mostra à todos que quem a IMG_3630constrói somos nós, seres humanos em movimento. Deixa à vista de todos que outra vida é possível de ser construída justamente no momento em que ela se desmorona – nada pode ser pior do que perder um filho.

Essa luta das Mães  se reflete dentro das nossas almas. O andar é tortuoso, perigoso e tenso – e é imprescindível, por isso, caminharmos lado a lado, para que juntos possamos chegar mais longe sempre, resistir à opressão, enfrentar a repressão e atacar os que tentam nos desarticular e desacreditar.

Quando montamos uma antena e ligamos o transmissor, quando  botamos a boca no microfone, imediatamente nos sintonizamos com as Mães de Maio e com todos aqueles que resistem e lutam por outras formas de se organizar e de se viver: transgredimos a lei, porque essa lei não nos serve.

Estamos certos de que a mesma ordem que impede as Mães de Maio de conseguirem a justiça e memória de seus entes atacados pelo Estado, também coloca cada vez mais obstáculos para nos comunicarmos livremente. Essa ordem insiste em nos dizer que nossa luta é ilegal, nos acusa de não estarmos seguindo as regras e que devemos ser pacientes e não termos pressa com a justiça. Ordem essa que apesar de querer mostrar que “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa” não nos supera, pois, como dissemos acima, nossas lutas seguem o ritmo de nossos corações: abaixo e à esquerda.

Sabemos que nossa (r)existência coletiva significa golpes diários contra essa democracia mascarada e falsa, um sistemas que se esconde por detrás a face terrorista do capitalismo que massacra cotidianamente os desiguais de uma sociedade que entende por igualdade a uniformidade e a padronização da vida, onde o pobre negro favelado só aparece para o mundo nas notícias sobre o crime e nos páginas policiais.

Quando ocupamos uma frequência no latifúndio eletromagnético da comunicação, estamos organizando uma vida que nos diz respeito, que fala sobre nós para nós mesmos, que conta e compartilha coletivamente a nossa história. Não queremos hierarquias, lideranças, vereadores ou presidentes. Não somos adeptos de nenhum tipo de verticalização política e social, somos horizontais – e já que não nivelamos por cima, acreditamos que é possível se organizar coletivamente, abaixo e à esquerda. Não queremos nos legalizar e seguir uma ordem ditada por instituições que se dizem “democráticas”, na qual a liberdade de se organizar e se revoltar contra as injustiças não é permitida. 

Queremos apenas – e isso para nós é justamente o sentido de nossa luta – sermos donos das nossas próprias vidas, sem que ninguém nos arranque o sentido delas, como aconteceu com centenas de filhos em maio de 2006, em pleno Estado Democrático de Direito, e como se tem tentado infligir às Mães – que, além da perseguição sofrida,  pouco espaço tem para falar sobre a sua realidade e suas lutas.

E é justamente por essa linda e importante luta coletiva contra o esquecimento, que  somos parceiro@s das Mães de Maio até o final, pois estamos do mesmo lado, lado a lado. A organização e luta das Mães de Maio por justiça e memória significam a prática de uma outra sociedade, assim como organização e luta pela comunicação livre, um mundo onde caibam muitos mundos, onde não exista policia e onde não sejamos incitados diariamente a nos dividirmos e disputarmos entre si, mas sim a somarmos sempre, uns com os outros, como parceiros e aliados, dentro das nossas diferenças.

É por tudo isso que dissemos acima, e muito mais por aquilo que sentimos e não conseguimos ainda nem expressar por meio dessas breves palavras, que acreditamos que os nossos movimentos são indissociáveis. Se estivermos desunidos, seremos presas fáceis dessa falsa democracia – que dita atualmente a forma como vivemos – e daqueles que criminalizam fortemente as nossas lutas. Onde há uma voz se levantando contra a injustiça, haverá uma onda no ar propagando a liberdade.

RÁDIO VÁRZEA LIVRE — 107, 1 FM LIVRE! SINTONIZE, PARTICIPE E OCUPE O LATIFÚNDIO ELETROMAGNÉTICO! DO LUTO À LUTA, COM AS MÃES DE MAIO!”

O livro se encontra a venda e tem salve de mais uma par de gente que corre lado a lado, quem quiser dar uma forca é só da um salve no maesdemaio@gmail.com, ou fala com nois memo.

Salve Mães de Maio, Salve Mães de Todo dia, Salve nossas Mães!

Estamos no Ar, LIVRES!

QUE VENHA 2013!

RÁDIO VÁRZEA LIVRE do RIO PINHEIROS — 107, 1 FM  – VIVÃO E VIVENDO!

Rádio Várzea Livre no Observatório da Imprensa — A crítica à legalidade

RÁDIOS LIVRES

A crítica à legalidade

Por Rodrigo Neves em 11/12/2012 na edição 724

“A rádio Várzea é um espaço de resistência, mas, sobretudo, de reexistência. Não estamos apenas interessados em negar esse sistema moribundo, nossa luta também é propositiva, da reinvenção da vida, da transmissão criativa”.

É dessa maneira que a rádio Várzea Livre se descreve em um dos seus vários manifestos. Ocupando a frequência 107,1 FM, hoje só é possível ouvi-la dentro do prédio da História e Geografia, na Universidade de São Paulo. Há pouco mais de um ano, era possível escutá-la por toda a universidade, até a Marginal do Rio Pinheiros.

A rádio livre foi criada por estudantes da USP em 2002, durante uma greve por melhores condições de ensino. Desde então, a Várzea é autogerida por estudantes de distintas unidades da USP, emitindo sua programação a partir de uma pequena sala na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

A radiodifusão livre se diferencia das rádios comunitárias por ocupar ilegalmente o espectro eletromagnético, enquanto as outras necessitam ser institucionalizadas e seguir as regras ditadas pela Lei nº 9612, de 1998, que institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária. A lei estabelece a necessidade de que as rádios comunitárias apresentem um estatuto, eleição de diretores e declaração assinada por cada um deles.

Existe um motivo político para não se institucionalizar. Para os responsáveis pela rádio Várzea, ocupar o que chamam de “latifúndio eletromagnético” é uma forma de protestar contra a concentração da mídia. “A rádio livre é uma ferramenta de luta social”, diz um dos alunos que participa da emissora. “O principal é quebrar o modelo ‘transmissor/receptor’, tornar todos mais envolvidos, fazer com que todo mundo possa se comunicar livremente”, conclui.

Silvio Mieli, professor de jornalismo da PUC-SP, concorda que as rádios livres são uma frente de luta que deve existir e, às vezes, esta é a única opção que resta. “A impressão é que gastamos muita energia com o movimento pela ocupação do espectro eletromagnético, mas quantitativamente não conseguimos muito”, diz ele. “Às vezes a ocupação do jeito que é acaba sendo mais rica só por criar uma interação com a realidade à sua volta.”

Produção e repressão

Desde sua criação, há 10 anos, a história da rádio Várzea se confunde com as diversas mobilizações estudantis e os avanços repressivos. Em 2007, suas transmissões foram feitas dentro do prédio da reitoria da USP, ocupado por estudantes em greve. Em 2006, a rádio Várzea invadiu a frequência da rádio Bandeirantes para a leitura de um manifesto em defesa das rádios livres e contra a concentração dos meios de comunicação. O ato resultou em uma denúncia, a Polícia Federal foi chamada à FFLCH e o transmissor da rádio foi confiscado.

No entanto, os participantes da rádio entrevistados pelo Observatório são unânimes em concordar que o pior golpe aconteceu em 2011. Durante a greve estudantil contra a presença da Polícia Militar no campus, a TV Band fez uma matéria sobre a mobilização dos estudantes e relembrou o caso de 2006, quando houve a invasão da frequência da rádio do grupo. Logo depois, a antena da Várzea foi retirada pela diretoria da FFLCH. Hoje, a antena só pode estar instalada dentro de uma sala, restringindo a transmissão da rádio. Os alunos já tentaram utilizar a transmissão online, mas também enfrentaram dificuldades com a rede de internet da USP.

Apesar disso, os alunos participantes da rádio continuam oferecendo oficinas de radiodifusão para movimentos sociais, como o MST. “É mais interessante multiplicar as rádios livres do que aumentar o alcance do nosso sinal”, diz um dos alunos. “O importante é que as pessoas aprendam a técnica.”

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[Rodrigo Neves é estudante de Jornalismo da ECA-USP]

Publicado emhttp://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed724_a_critica_a_legalidade